Os dados sobre a endometriose impressionam. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),são aproximadamente 190 milhões de mulheres com a doença, cerca de 10% da população mundial feminina.
Estamos falando de um processo inflamatório que acomete o útero, os ovários, as trompas, entre outros órgãos da cavidade abdominal e que, sem os devidos cuidados, leva à infertilidade. Por outro lado, com o tratamento adequado, quem tem endometriose pode engravidar.
Que tal falarmos sobre como a doença afeta a fertilidade feminina? Aproveite a leitura e esclareça suas dúvidas!
O que é a endometriose?
A endometriose é uma doença inflamatória que tem início quando as células do endométrio começam a migrar para outros locais, como os ovários, peritonio e as trompas, além de serem expelidas pela menstruação. É isso que provoca a inflamação.
Os “focos de endometriose”, como são chamados, podem estar presentes no peritônio (tecido que recobre o interior da cavidade abdominal),no intestino, na bexiga e na vagina.
No Brasil, estima-se que haja em torno de 7 milhões de casos (1 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva) da doença. Isso representa 15% das mulheres em idade fértil, de acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Como já foi mencionado, a maioria das mulheres somente descobre que tem endometriose quando não consegue engravidar. Muitas delas recebem esse diagnóstico entre sete e 12 anos depois de sentir os primeiros sintomas.
Entre as pacientes com endometriose que conseguem engravidar, o prognóstico não é tão bom quanto nas mulheres que não possuem a doença. Em geral, ela compromete a qualidade do embrião e o ambiente do útero, podendo causar maior incidência de abortamentos.
Como diagnosticar a endometriose precocemente?
Para chegar ao diagnóstico precoce da endometriose, o mais importante é que o ginecologista saiba ouvir as queixas das pacientes. Os principais relatos são de dor no período menstrual , sendo um sintoma que aumenta gradativamente com o decorrer do tempo. Não por acaso, mulheres com esse distúrbio precisam, a cada ano, aumentar as doses dos analgésicos que tomam.
Portanto, uma conversa franca entre paciente e médico é essencial para que ele compreenda os sintomas e tenha mais certeza sobre o diagnóstico. Quanto antes a mulher for diagnosticada, mais cedo poderá receber um tratamento que devolva sua qualidade de vida.
Uma avaliação adequada permite intervir para que a doença não evolua e, consequentemente, não comprometa a capacidade de engravidar. Por outro lado, sem o tratamento certo, o convívio diário com a dor pode levar as pacientes à sensação de incapacidade.
O que causa a endometriose?
Diversos fatores colaboram com a suscetibilidade para a ocorrência da doença. Eles podem ter origem genética, ambiental e hormonal.
Algumas evidências sugerem que a endometriose é caracterizada pela resistência à ação da progesterona (hormônio responsável pela preparação do endométrio para a implantação do embrião no útero),cuja ação, antagônica ao estrogênio (hormônio que age no controle da ovulação),leva à atrofia do endométrio.
Sem contar que a falta de vitamina D no organismo e o maior consumo de dioxina (substância liberada por embalagens plásticas quando aquecidas) também estão associados ao quadro.
Como saber se você tem a doença?
O quadro clínico da paciente com endometriose é bastante variável. Há mulheres que chegam ao consultório sem queixas, com exceção do fato de não conseguirem engravidar. Algumas, no entanto, sentem ou apresentam:
- forte cólica menstrual;
- dor profunda na vagina ou na pelve durante a relação sexual;
- dor pélvica contínua não relacionada à menstruação;
- obstipação (prisão de ventre ou constipação) intestinal;
- diarreia no período menstrual;
- dor para evacuar;
- sangramento nas fezes;
- dor para urinar;
- sangramento na urina.
Alguns desses sintomas são iguais aos manifestados por outras enfermidades. Por isso, o médico diagnostica a endometriose com base no histórico clínico, no exame físico (principalmente, no toque vaginal) e ao constatar a presença de lesões suspeitas nos exames de imagem.
A endometriose ovariana – endometriomas – é um fator de risco para desenvolver câncer no ovário. Por isso, uma vez descoberta, o acompanhamento médico regular é necessário para evitar que a doença evolua. Isso vale mesmo que a paciente tenha sido tratada e até já tenha engravidado.
Os principais exames complementares utilizados para o diagnóstico são a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e a ressonância magnética. Outros procedimentos, como a ultrassonografia transretal, a colonoscopia, a cistoscopia e urografia excretora, podem ser solicitados em algumas situações.
Por que a endometriose causa infertilidade feminina?
De acordo com a Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva (SBE),entre 30% e 50% das mulheres com a doença são inférteis. A condição de infertilidade pode ser desencadeada por vários motivos:
- distorção anatômica, devido à obstrução das trompas e presença de aderências que impedem o transporte do óvulo até o encontro com os espermatozoides, no interior da tuba uterina;
- mudanças no fluido peritoneal, por conta da produção de substâncias e células inflamatórias que interferem na interação óvulo-espermatozoide;
- desordens ovulatórias, as quais são provocadas pelas substâncias inflamatórias e por modificações nos folículos ovarianos;
- alterações foliculares e embrionárias;
- anormalidades miometriais (na parede uterina – adenomiose);
- desordens de implantação embrionária, por causa de alterações endometriais pela produção local de estrogênio e resistência à progesterona.
Quais são as possíveis formas de tratar a endometriose?
Quando o diagnóstico revela que a mulher não consegue engravidar porque possui uma patologia como a endometriose, é necessário, primeiro, entender qual é o grau da doença.
A classificação mais empregada para esse fim é a da Sociedade Americana para a Medicina Reprodutiva (ASRM),realizada durante o processo de visualização direta da pelve na videolaparoscopia.
Assim, há a graduação da enfermidade em mínima, leve, moderada e severa. Para isso, é avaliada a extensão da doença no peritônio e nos ovários, bem como a presença de aderências tubo-ovarianas e o bloqueio do fundo do saco de Douglas.
A identificação do local onde a endometriose se desenvolve é determinante para a indicação do tratamento. A abordagem se baseia ainda no sintoma que a mulher apresenta, como dor pélvica ou infertilidade (frequentemente, elas podem manifestar-se em conjunto).
Atualmente, os tratamentos mais utilizados são a cirurgia minimamante invasiva – videolaparoscopia com ou sem robótica, a terapia de supressão ovariana e a associação de ambas. Para algumas mulheres, a cirurgia é a única alternativa possível.
Qual é a relação entre nutrição e endometriose?
A alimentação não trata a endometriose, mas pode aliviar os sintomas e otimizar o tratamento, sendo uma importante coadjuvante. Nesse sentido, recomenda-se adotar uma dieta balanceada, rica em substâncias anti-inflamatórias, antioxidantes e antiproliferativas, as quais estão presentes em:
- ácidos graxos poli-insaturados (como o ômega 3);
- vitamina D ;
- vitaminas A, C e E;
- vitaminas do complexo B (como a colina);
- minerais (como magnésio, selênio e zinco);
- polifenóis (como o resveratrol);
- N-acetilcisteína, uma forma do aminoácido cisteína.
Além disso, a ingestão de fibras é essencial, pois aumentam a liberação de estrogênio, hormônio que ajuda a reduzir o risco de endometriose.
Por outro lado, os fatores nutricionais também podem ter relação com a intensidade da endometriose, agravando seus sintomas. Para prevenir complicações, deve-se evitar a ingesta de gorduras saturadas e trans, as quais diminuem a liberação de estrogênio, além de ômega 6 que, em excesso, aumenta a inflamação crônica.

Como deve ser a alimentação de quem tem endometriose?
Existem diversos alimentos comprovadamente benéficos para quem tem endometriose. São eles:
- frutas, principalmente, vermelhas (como morango, amora e tomate),alaranjadas (como laranja, manga e acerola) e roxas (uva e jabuticaba);
- hortaliças e legumes;
- grãos inteiros;
- cereais integrais;
- peixes de água gelada (como o salmão, sardinha, atum e anchova);
- carnes brancas (frango e porco);
- laticínios com baixos teores de gorduras;
- óleos vegetais (como azeite de oliva, óleo de linhaça e óleo de algodão);
- cúrcuma ou açafrão;
- alho e cebola;
- óleo de linhaça, de fígado de bacalhau ou de prímula, para a suplementação de mulheres que não ingerem peixes e cereais integrais em quantidade suficiente.
Saiba ainda que é recomendado evitar pães, massas e outros carboidratos feitos com farinha branca, não integral; carnes vermelhas; bebidas alcoólicas e energéticas; cafés, chás, refrigerantes e outras bebidas com cafeína; assim como fast foods e alimentos ultraprocessados em geral.
Quando o tratamento cirúrgico da endometriose é indicado e como é realizado?
A endometriose pode ser tratada por meio da remoção dos focos da doença — de preferência, realizada por videolaparoscopia, uma abordagem minimamente invasiva. O objetivo da cirurgia é fazer a ressecção completa, principalmente, das lesões endometrióticas mais profundas.
Esse tipo de procedimento é indicado quando a abordagem clínica foi ineficaz ou é contraindicada. São casos em que os endometriomas ovarianos são volumosos e há lesões de ureter provocando hidronefrose, de apêndice ou de intestino, com suboclusão ou obstrução.
As técnicas utilizadas variam de acordo com o local dos focos e o estágio (desenvolvimento) das lesões. Assim, no caso da laparoscopia para tratar a endometriose intestinal, pode-se optar entre três mecanismos distintos: shaving, ressecção em disco e ressecção segmentar das lesões intestinais.
Na endometriose do trato urinário, as técnicas vão desde a ureterólise até a ressecção com anastomose terminal ou reimplante de ureter. Quando há comprometimento da bexiga, opta-se pela cistectomia parcial.
Em um endometrioma de ovário, pode-se abordá-lo retirando a cápsula do cisto ou fazendo a drenagem do seu conteúdo e a cauterização da cápsula. Independentemente da técnica escolhida, é preciso tomar cuidado para reduzir o risco de diminuir a reserva ovariana.
Quais são os resultados esperados?
Os resultados da cirurgia em relação à infertilidade variam conforme o quadro de cada paciente. Estudos mostram que:
- a ablação das lesões endometrióticas associada à liberação das aderências pélvicas, quando comparada à laparoscopia diagnóstica exclusiva, melhora a fertilidade em quadros de endometriose leve;
- a excisão cirúrgica da endometriose melhora a fertilidade em quadros da doença considerados moderados a severos;
- a cistectomia ovariana laparoscópica, quando comparada à drenagem e à coagulação, melhora a fertilidade em casos de endometriomas maiores do que 4 cm.
Portanto, ao ser bem indicada e corretamente executada, a cirurgia para a infertilidade decorrente da endometriose é benéfica, melhorando tanto os sintomas como as taxas de gravidez. Para obter essas vantagens, o primeiro passo é se consultar com um bom especialista.
Você pode entrar em contato e conversar com a equipe de médicos da Fecondare. Estamos à disposição para auxiliar nos diagnósticos e tratamentos que envolvem o sonho da maternidade.
Quem teve endometriose pode engravidar?
Sim. Após a operação, a mulher ainda passa por um período de cuidados antes de poder engravidar. Esse tempo pode variar de um mês até um ano, conforme o estado de saúde e outros fatores, como a reserva ovariana.
Afinal, ainda que a endometriose tenha sido tratada, é possível ter recorrência das lesões. Nesses casos, necessita-se da realização de terapias mais efetivas.
A boa notícia é que grande parte das mulheres recupera a fertilidade após a cirurgia. De acordo com cada caso, o médico pode recomendar a tentativa de engravidar naturalmente ou por meio de alguma técnica de reprodução humana assistida.
O método mais recomendado costuma ser a fertilização in vitro (FIV). Nos casos de endometriose leve, porém, também pode ser feita uma inseminação artificial. Em uma consulta, o médico especializado em saúde reprodutiva pode explicar o funcionamento de cada uma delas.
Dr. Ricardo Nascimento tira dúvidas sobre endometriose e gravidez
Para ampliar ainda mais seus conhecimentos, confira a entrevista do Dr. Ricardo Nascimento, médico da Fecondare, sobre endometriose e gravidez:
1. A pelve congelada pode atrapalhar a adubação?
Na pelve congelada, o útero e o ovário (normalmente, móveis) estão aderidos . Esse quadro caracteriza uma endometriose avançada. Essa, por sua vez, pode estar associada à adenomiose (um tipo de endometriose uterina).
O processo inflamatório da pelve reduz a quantidade e a qualidade dos óvulos. Por isso, mesmo em uma fertilização n vitro (FIV), as chances de sucesso na implantação embrionária diminuem.
2. Como engravidar em casos de endometriose avançada?
Em casos de endometriose avançada, é preciso controlar a doença para viabilizar a coleta dos óvulos e, só então, fazer a transferência embrionária. Para realizar esse controle, há duas possibilidades: cirurgia de citorredução e uso de medicações inibidoras.
É importante ressaltar que, antes de fazer o tratamento (com medicação ou cirurgia),indica-se retirar e congelar os óvulos, de modo a preservá-los. Mas atenção: não há uma solução única para todas as pacientes. O ideal é um tratamento individualizado, definido com base no grau da endometriose, idade e necessidade de cada mulher.
3. A laparoscopia resolve ou é melhor fazer uma FIV?
Depende. Em casos de endometriose avançada, muitas vezes, é vantajoso operar e retirar cistos. Porém, como já foi dito, é preciso avaliar o tratamento mais indicado para cada paciente.
Deve-se considerar, inclusive, a questão financeira. Isto é, se é possível proceder com uma FIV ou é melhor fazer a cirurgia (que a grande maioria dos convênios cobre) e tentar engravidar espontaneamente.
4. Por que é preciso correr contra o tempo?
O fundamental é não protelar — pois um ponto crítico associado à endometriose é a idade da mulher. A partir dos 35 anos, a fertilidade feminina começa a diminuir.
Assim, é preciso tomar cuidado para não perder o “timing da fertilidade”, não apenas por causa de uma doença preexistente (a endometriose),como por conta da diminuição da quantidade e qualidade dos óvulos (devido ao envelhecimento).
5. Quanto tempo depois da cirurgia para endometriose é possível engravidar ou fazer a FIV?
Quanto mais cedo, melhor. Um mês após a cirurgia já é indicado tentar engravidar naturalmente ou partir para a FIV.
Sabe-se que, quando se retiram os cistos ou se cauterizam os focos de endometriose, a reação inflamatória que impede a fertilidade melhora muito. Assim, o período de três a seis meses (ou até um ano, para alguns autores) após a videolaparoscopia, é reconhecido como um período de fertilidade máxima.
6. Como é o processo de diagnóstico da endometriose?
O mais importante no diagnóstico da endometriose é sempre pensar nessa possibilidade. Além do histórico da paciente e da análise dos sintomas clínicos, quando presentes, é preciso fazer o exame físico ginecológico (toque do útero e ovários) e a ultrassonografia transvaginal (com preparo intestinal para endometriose).
7. Para que servem os medicamentos que inibem a produção de hormônios pelos ovários?
Esses medicamentos (análogos do GnRH) interrompem a produção de estrogênio e testosterona. Assim, a paciente entra em um estado de anovulação e tende a ter sintomas parecidos com o da menopausa.
São medicamentos indicados para casos de endometriose e, principalmente, adenomiose.
8. Após a cirurgia de endometriose, em quanto tempo a doença pode voltar?
Alguns estudos mostram que, sem o devido tratamento medicamentoso, de 13 a 20% dos casos de endometriose retornam em até um ano após a cirurgia. Em cinco anos, a doença tende a voltar ao estágio anterior ao procedimento.
9. O que fazer quando a doença insiste em voltar, mesmo após cirurgia e o tratamento medicamentoso?
Não se sabe os motivos, mas existem endometrioses que evoluem rapidamente, outras lentamente e algumas que não evoluem; que permitem engravidar ou que geram infertilidade ; com dor ou assintomáticas.
Para aquelas que progridem rapidamente, pode ser interessante fazer o tratamento com análogos do GnRH, assim como experimentar o DIU hormonal. Ao mesmo tempo, deve ser adotada alguma estratégia de prevenção da fertilidade ou, pelo menos, começar a tentar engravidar naturalmente o quanto antes.
Endometriose: uma doença complexa, mas que possui tratamentos
Para concluir, a relação entre endometriose e gravidez é complexa e merece ser avaliada individualmente. A dificuldade no diagnóstico, principalmente, de casos assintomáticos, exige uma investigação cuidadosa.
Portanto, em caso de suspeita da doença, vá ao ginecologista e faça um check-up. Como mostrado, a dificuldade para engravidar, muitas vezes, é culpa de uma condição silenciosa!
Ficou com alguma dúvida sobre o assunto? Sinta-se à vontade para entrar em contato e conversar com os especialistas da Fecondare.