Publicado em 29/03/2021

Luto perinatal: psicóloga fala sobre a dor do aborto espontâneo

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Considera-se como aborto espontâneo a perda de um feto, por causas naturais, antes de completar 20 semanas de gestação. Na maioria das vezes (85%),isso ocorre nas 12 primeiras semanas. Mas mesmo sabendo que até 20% das gestações terminam em abortamentos, a elevada incidência não alivia o luto perinatal — a dor invisibilizada de quem perdeu um filho ainda na barriga.

Aborto espontâneo: planos interrompidos

Toda grávida faz planos. Mas quando ocorre um aborto, não se trata de pausar um plano. O fato de ser algo muito frequente e a possibilidade de uma nova gestação (tão mencionados na tentativa de animar quem está elaborando a perda do sonhado bebê) não diminuem a dor ou, tampouco, servem de incentivo para superá-la.

Além disso, a medida do sofrimento não tem a ver com o tempo gestacional nem com a gravidez ter sido, ou não, planejada. Só a mulher sabe o que e o quanto está sentindo.

Luto perinatal: sofrimento real

A psicanálise mostra que a gravidez é mais do que um processo biológico. Enquanto o corpo feminino se transforma e os sintomas (enjoos, cansaço, sensibilidade à flor da pele etc) afloram, a mente “pari o sonhado bebê”. Inclusive, constrói-se toda uma ideia do seu futuro papel na vida dos pais. A partir de então, todos os planos contam com sua participação.

Esses pensamentos, independentemente de corresponderem, ou não, ao que ocorreria após o parto, são sentidos com uma intensidade real. É por isso que, em um processo de abortamento, o luto também é real.

Sistema de saúde: falta de acolhimento

Para complicar ainda mais, o sistema de saúde, em geral, não sabe lidar ou, muito menos, acolher adequadamente com essas mulheres. Prova disso é que quem sofre um aborto espontâneo costuma ser atendida em maternidades — ou seja, junto de quem está vivenciando a experiência materna em toda sua plenitude.

Nessa hora, ouvir sentenças como “isso é comum”, “melhor perder no comecinho”, “daqui um tempo você tenta de novo” entre outras frases de “incentivo” não ajuda em nada.

Faz falta alguém que apenas pergunte como a mulher se sente e esteja aberto a ouvi-la. Não à toa, o acompanhamento psicológico tem um papel importante na elaboração do luto perinatal.

Para jogar luz sobre o assunto, conversamos com a psicóloga da Fecondare, Maria Gabriela Pinho Peixe. Confira a entrevista e veja as orientações da especialista.

Como atravessar o luto perinatal? A falta de materialidade (objetos que remetem a memórias, algo que, na prática, confere reconhecimento social à dor do luto) é um complicador?

Maria Gabriela: Com certeza é um complicador. A infertilidade, por si só, já é uma perda invisível. Nunca existiu um bebê, alguém que tenha um nome, uma identidade ou uma carinha, mas essa situação não deixa de ser vivida como uma perda de algo que o casal desejava muito e não deu certo. Cada menstruação é a materialidade de algo importante que não aconteceu. Outra dia, eu disse para uma paciente: “Tu estás vivendo um luto, o que tu estás sentindo é muito natural. E não é para menos, o que está acontecendo contigo é muito difícil e triste”. E só com isso parece que já saiu um peso enorme dos ombros dela, como quem diz: “tá vendo, marido? O que eu tô sentindo existe, outras mulheres também sentem isso”.

O próprio tentar engravidar e não conseguir é muito invisível. Ainda mais quando a gente está falando de uma perda, de uma gestação que não seguiu, de um bebê natimorto ou de um bebê que nasceu e faleceu. A sociedade, às vezes a família, dizem que logo o casal vai ter outro bebê, como se ter outro bebê fosse curar a dor da perda de um primeiro.

Não é colocando uma coisa no lugar de outra vai curar, muito pelo contrário. Eu acho que o melhor jeito de curar o luto é dar espaço para as mulheres e para os casais sentirem e cuidarem da sua dor. Às vezes eu pergunto para algumas pacientes: “se teu útero falasse, o que ele nos diria?”. Ou seja, vamos dar espaço para a gente falar a respeito da dor, da perda, da dor de não ter o útero ocupado por um bebê. Vamos falar sobre isso, é triste, mas precisa ser olhado, ser pensado, cuidado, é como se a gente pudesse dar colo para esse sentimento. E é isso que faz cessar o luto.

Qual é a importância do acompanhamento psicológico para elaborar o luto decorrente de um aborto espontâneo?

Maria Gabriela: O acompanhamento psicológico é essencial para elaborar o luto, elaborar a perda, justamente porque é uma relação adequada, profissional, segura e instrumentada cientificamente para cuidar daquele sentimento.

Além disso, é importante falar com amigos, buscar religião, leituras, grupos de apoio. Tudo que faz algo por aquilo que está sendo sentido é importante, e o espaço da terapia é um lugar protegido e adequado para que isso aconteça. É onde a pessoa vai entendendo sem medo, embora ainda com dor e sofrimento, como lidar com aquele sentimento.

Quando a pessoa começar um novo procedimento, é essencial que ela se sinta preparada para tentar de novo, para que a história da perda, do luto mal resolvido não se confunda com as expectativas de uma nova tentativa. Fica muito confuso quando nos colocamos em uma nova história sem resolver a outra, fica muito mais pesado. É como se ficassem vindo flashbacks de uma história que ainda não sarou.

O luto perinatal tem hora para acabar? Se não, quando ele se torna menos doloroso?

Maria Gabriela: Algumas pessoas dizem que o tempo cura, que com o tempo tudo vai se resolver. Pode ser que para algumas pessoas um mês resolva, pode ser que em um ano, em dez anos se resolva. E pode ser que não se resolva nunca. Depende do que a pessoa faz com aquele tempo que está passando, qual espaço a pessoa dá para aquela dor, aquele luto, aquele sentimento ser elaborado.

Como lidar com o medo do risco de sofrer outro aborto espontâneo, em uma próxima gestação?

Maria Gabriela: É inerente o medo que aconteça novamente. Mas na hora que damos espaço e cuidamos de um luto, de uma perda, também cultivamos uma gama de sentimentos de esperança, fé, coragem e força que dão espaço para a pessoa se autorizar e tentar novamente.

Como o companheiro (a),amigos e familiares devem acolher a mulher que está vivendo o luto perinatal?

Maria Gabriela: É muito importante ressaltar que o luto não é só da mulher, embora e perda seja no corpo dela. Muitas vezes, o luto é do companheiro, é ele é que sente mais dificuldade de elaborar e seguir em frente. Se um casal engravidou, se um casal teve um bebê, ou se um casal perdeu um bebê, é sempre assunto do casal.

Por mais que um embrião seja milimétrico, seja invisível aos olhos, o valor e o significado de um bebezinho que existe só no coração, no desejo do pai e da mãe, é imensurável. Aos olhos de uma outra pessoa, perder um bebê é mais uma tentativa. Mas para aquelas pessoas, é um filho, uma esperança, é a realização de um sonho. Então é algo que tem um valor enorme muito difícil de ser mensurado, sentido e compreendido pelas outras pessoas.

 

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Publicado por: Dra. Ana Lúcia Bertini Zarth - Ginecologista - CRM-SC 8534 e RQE 10334
Formada na Faculdade de Medicina da PUC – RS em 1993, Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia, Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia, pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em 1997.

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